Scaramussa & Pandolfi Advogados Associados

A AUSÊNCIA DE VÍNCULO DE EMPREGO NAS RELAÇÕES DE TRABALHO NO ÂMBITO DOS APLICATIVOS SOB DEMANDA


Lucas Colombi Montibeler
Advogado do Scaramussa & Pandolfi Advogados Associados

Na última década nossa sociedade tem experimentado grandes alterações no paradigma da relação de trabalho. É inegável que estas alterações, via de regra, impulsionadas pelas novas tecnologias, se contrapõem ao modelo clássico celetista, engessado pelos rigores do vínculo tradicional, onde a ausência de liberdade, veiculado na subordinação, sempre foi o marco principal.

O embate entre o novo e o clássico tem se acirrado. Nos últimos dias tivemos a notícia da abertura, por parte do Ministério do Trabalho, de fiscalização que visa apurar suposta fraude à legislação trabalhista, no que tange à não regularização do vínculo empregatício, “cometida” por 10 startups capixabas que oferecem o serviço de motoboy e diaristas.

Contudo, não obstante o importante papel destinado ao regular cumprimento do regramento legal obreiro atrelado à atuação do órgão público de fiscalização, indispensável se faz delimitar sua atuação aos casos que efetivamente demandam sua intervenção.

A CLT traz em seu artigo 3º, como requisitos para o reconhecimento do vínculo de emprego, a pessoalidade, a não eventualidade, a subordinação e a onerosidade. Inexistente um dos requisitos, igualmente inexiste o vínculo de emprego.

Ao analisar o sistema de trabalho sob demanda via aplicativos, facilmente se observa a inocorrência de um dos requisitos mais importantes inerentes à configuração de emprego: a subordinação.

Aos interessados em prestar os serviços ofertados pelos aplicativos se dá total autonomia em aceitar ou não os trabalhos, podendo livremente formular sua carga horária de serviço. Igualmente, inexiste qualquer forma de punição pelas recusas realizadas. Logo, percebe-se total autonomia aos trabalhadores atrelados aos aplicativos. Cabe às startups de comunicação e tecnologia da informação realizar tão somente o elo entre o usuário e o trabalhador autônomo ligado à plataforma, sendo deste os dispêndios da atividade assumida.

Autonomia é a antítese da subordinação. Impossível se mostra a configuração de emprego aos trabalhadores que prestam seus serviços de modo autônomo, por conta própria. Se colocando nessa linha de raciocínio que o Legislador, com a reforma trabalhista operada pela Lei nº 13.467/2017, incluiu o artigo 442-B à CLT, determinando expressamente a inexistência da relação de emprego pelos serviços prestados pelo trabalhador autônomo.

Outro fator preponderante a ser verificado é o possível efeito obstativo, que a princípio, essas fiscalizações promovidas pelo Ministério do Trabalho possam acarretar na escala empreendedora existente na atualidade. Vai de encontro com as novas relações de trabalho, pautadas no estrito cumprimento da legislação, os referidos atos de fiscalização. Depreender esforços para apurar infrações no âmbito da relação de emprego, em relações preponderantemente autônomas, obsta o desenvolvimento da economia nacional, ao passo que freia possíveis investimentos que por ventura poderiam vir a ser realizados, dificultando o surgimento de novos campos de trabalho e geração de renda.

Neste sentido, inarredável a conclusão de que, constatada a plena liberdade e autonomia no trabalho, resta impossibilitada a configuração da relação de emprego entre os trabalhadores ligados aos aplicativos e as startups de comunicação e tecnologia.